O Marketing Jurídico e o Juridiquês
A Comunicação escrita é a principal ferramenta de trabalho dos advogados e deve ser utilizada de maneira clara e convincente.
“Por que nossa linguagem comum, tão cômoda e tão fácil, torna-se obscura e ininteligível quando empregada nos contratos e nos testamentos?”
Montaigne
A advocacia atual vive um processo de modernização e adaptação à nova realidade social, oferecendo sistematicamente novas soluções jurídicas, com o objetivo de atender necessidades, expectativas e exigências que surgem a cada dia na sociedade. No entanto, apesar de estar ocorrendo esta importante e necessária adaptação, o setor continua utilizando métodos antigos e, em muitos casos, ultrapassados, no seu processo de prestação de serviços. Um exemplo claro é a utilização de uma linguagem excessivamente forense, e por vezes inadequada, nos processos e no trato com os clientes, o chamado “juridiquês”.
É fato que toda atividade profissional possui uma linguagem própria do setor, desenvolvida para auxiliar a comunicação entre os pares. Médicos, engenheiros, empresários e policiais têm em sua comunicação particular palavras, expressões e jargões desconhecidos dos leigos, mas que são importantes no contexto interno de cada setor, para melhor expressar as ideias.
Na advocacia não poderia ser diferente, por isso, palavras como doutrina, jurisprudência, contencioso, liminar, e até expressões em latim como habeas corpus, ad hoc e modus operandi são necessárias no contexto dos processos judiciais. No entanto, além dessas palavras e expressões, já consagradas ao longo do tempo, muitos advogados “recheiam” seus textos com termos que vão além da necessidade de comunicar uma idéia específica, gerando peças jurídicas que são verdadeiros desafios para os que precisam entender o exato teor dos argumentos, escritos ou orais, apresentados.
Assim, encontramos diversas peças jurídicas com expressões como: “exordial acusatória”, “consorte supérstite” e “excelso sodalício”, para denominar respectivamente as palavras: denúncia, viúvo e Supremo Tribunal Federal, como exemplifica o professor Virgilio de Mattos, da Escola Superior Dom Helder Câmara, em matéria publicada na revista Visão Jurídica.
Quando um advogado pergunta: “você já perlustrou os autos?” ele está utilizando uma linguagem arcaica. Seria mais adequado se ele fizesse a pergunta usando a expressão: “você já leu o processo?”.
O exemplo mostrado por Claudio Moreno, mestre em língua portuguesa, e Túlio Martins, Juiz de Direito e jornalista, no excelente livro “Português para convencer - comunicação e persuasão em Direito”, (Editora Ática, 2006), ilustra bem a questão de linguagem inadequada na elaboração de textos jurídicos, em um parágrafo de petição:
“Destarte, como coroamento desta peça-ovo, emerge a premente necessidade de jurisdição fulminante, aqui suplicada a Vossa Excelência. Como visto nas razões suso expostas com pueril singeleza, ao alvedrio da lei e com a repulsa do Direito, o energúmeno passou a solitariamente cavalgar a lei, esse animal que desconhece, cometendo toda sorte de maldades contra a propriedade deste que vêm às barras do tribunal. Conspurcou a boa água e lançou ao leu os referidos mamíferos. Os cânones civis pavimentam a pretensão sumária, estribada no Livro das Coisas, na Magna Carta, na boa doutrina e nos melhores arestos deste sodalício. Urge sejam vivificados os direitos fundamentais do Ordenamento Jurídico, espeque do petitório que aqui se encerra. O apossamento solerte e belicoso deve ser sepultado ab initio e inaudita altera parte, como corolário da mais lidima Justiça.”
Por mais estranho, e até de certa forma cômico, que possa parecer o texto apresentado, ainda hoje é possível encontrar esse tipo de redação nos processos judiciais. Acreditam os autores estar praticando uma comunicação escrita de alto nível, quando na verdade estão produzindo textos confusos que deixam tanto o Direto quanto os fatos em segundo plano.
Segundo Moreno e Martins, no exemplo citado, o advogado explica os fatos e justifica a necessidade de obter jurisdição de urgência para defender um proprietário que move ação contra um vizinho que invadiu uma parte de seu terreno, onde existe um córrego com água potável e um abrigo para vacas leiteiras. Pede liminarmente a reintegração da posse dizendo que houve violência e que a invasão se deu clandestinamente, e que isso está lhe trazendo crescentes prejuízos.
Como se vê, a questão é simples. No entanto, o advogado pode por tudo a perder por se expressar de forma inadequada. Os autores sugerem uma nova abordagem de redação para a mesma petição, mais clara e simples, em estilo moderno e mais adequado, como no exemplo apresentado abaixo:
“Do que foi exposto acima, conclui-se que os fatos narrados nesta petição inicial são incontroversos e estão provados sumariamente por meio dos documentos aqui juntados. Tanto o Código Civil como a Constituição da República contêm regras claras que protegem a propriedade, observada sua função social – ou seja, exatamente a hipótese deste processo. Como nos ensina a melhor doutrina e a jurisprudência, o pedido em exame contém todos os elementos que determinam a concessão imediata da reintegração de posse: há interesse econômico, os fatos estão provados e o Direito do autor é indiscutível. A água potável existente no local está sendo poluída e as vacas leiteiras ficaram ao desabrigo, pelo que os prejuízos são evidentes. Assim, pede a concessão da liminar, por medida de Direito e de Justiça.”
O exemplo citado demonstra que toda peça jurídica pode, e deve, ser escrita de forma a ser compreendida não apenas pelos operadores do Direito envolvidos no processo, mas também pelas parte, ou seja, pelos clientes dos respectivos advogados, muitas vezes pessoas de outras áreas profissionais como médicos, engenheiros e empresários, e até de pessoas simples, como donas de casa, mecânicos, e pequenos comerciantes que têm pouca ou nenhuma compreensão dos termos e jargões jurídicos, ou seja, do “juridiquês”. Alguns deles não conseguem nem compreender alguns dos termos da procuração que assinam autorizando seus advogados a defender seus direitos.
Trazendo a questão da comunicação para o marketing jurídico e as relações comerciais dos advogados com o mercado, no processo de captação, conquista e fidelização de cliente, entendemos que uma comunicação clara, agradável e persuasiva pode fazer grande diferença para o sucesso do escritório. A linguagem deve levar em conta o nível de compreensão do público-alvo e jargões jurídicos devem ser evitados.
Alguns advogados têm escrito e publicado artigos informativos dirigidos ao seu público-alvo como ferramenta de marketing jurídico. A divulgação desses conteúdos na imprensa e na internet presta um grande serviço a comunidade, tirando dúvidas e sugerindo soluções para os problemas jurídicos do dia na dia. Ao mesmo tempo, os artigos publicados por advogados discutindo assuntos relevantes, ajuda a promover sua marca e construir uma reputação positiva no mercado. No entanto, essa forma de praticar o marketing jurídico precisa levar em conta os conceitos apresentados anteriormente.
O uso de expressões e palavras só compreensíveis pelos operadores do Direito faz com que a mensagem não chegue de maneira adequada ao público-alvo ou que ele perca o interesse de conhecer o teor do texto. Neste caso, a mensagem é inútil, pois o leitor desiste de compreender os textos, se eles forem excessivamente rebuscados e técnicos.
Não somos contra a utilização da linguagem forense por parte dos advogados. No entanto, esse tipo de linguagem tem o momento adequado e deve sempre ser direcionado a públicos que sabidamente irão compreendê-la. Além disso, o bom senso e o objetivo da comunicação devem sempre ser priorizados tanto nas petições jurídicas quanto na comunicação direta com os clientes-alvo.
Acreditamos que na prática de uma advocacia moderna e eficaz o advogado deve privilegiar o sentido e o objetivo da comunicação, procurando expressar-se, seja por via escrita ou oral, de forma clara, persuasiva e convincente, sem pedantismos, sempre levando em conta a capacidade de compreensão de seu público-alvo. Assim, o profissional do Direito estará sintonizado com o cliente e, ao mesmo tempo, será eficaz em sua prática jurídica.
Ari Lima,
Empresário, engenheiro civil, escritor e palestrante, consultor e especialista em marketing jurídico e gestão de escritórios.
Este artigo contou com a colaboração da Dra. Alexandrina Saldanha, Bacharel em Direito e pós-graduada em produção e revisão de textos.
Site www.arilima.com
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09 setembro, 2010
O Marketing Jurídico e o Juridiquês
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